segunda-feira, 23 de maio de 2011

Fluir


Primeiramente gostaria de dar um sincero "Perdoem-me" ou algo assim, pela minha falta de atividade neste blog. Não tenho tempo, ou melhor, relatividade de tempo para escrever contos ou outros textos, preciso pensar, sim, é o que mais preciso. Mas o show tem que continuar, e aqui estou escrevendo mais sobre as coisas.
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Dez às duas da manhã ela se encontrava sentada em um pequeno banco de madeira rubra, que mal podia ser um terço de seus pequenos cento e vinte centímetros de altura. Sentava-se perto da janela embaçada de mais uma tardinha fria de terça-feira. Olhos castanhos distantes, como dois poços sem fundo, procuravam por algo, mas o que seria? Olhava quieta, debruçada na janela de vidro, embora sua mãe achasse perigoso, não ligava, já era espertinha demais para seguir sua mãe, ou pelo menos como ela dizia "Não sou mais criança, mamãe!".
E naquela pequena alma incontrolada. Havia um conflito, uma tristeza, rica em detalhes, em alma, em música. O espetáculo estava para começar. Ela fechava os olhos, sentindo que estava vindo, quando abriu, viu um pouco de seu passado em movimentos tão suaves e delicados. Esfregava a manga de seu casaco de moletom listrado, bordado por sua avó com seu nome escrito, para poder ver melhor o espetáculo de almas. Vizinha de sua casa, lá estava seu sonho, uma academia de ballet, é o que ela observava em seu silêncio religioso. Tão perto, mas tão longe, ela via, chorava, pensava e repensava, em ser, em estar na mente das alunas que observava, pelo pequeno vão de vidro que dava visão para mais uma sala de aula. Sentia como se pudesse estar ali, como se cada aluna fosse uma parte dela. Atenta, seguia os passos da professora, em sua mente, pois não podia se mover, não se mover tanto.
Por razões de um problema na coluna, o sonho agora jazia deficiente, mas não perdido. Em sua pequena mente simples, porém complexa. Se via vestida em seu traje de ballet preferido, seguindo os movimentos como um anjo em pleno vôo, tocada pela emoção, pela divindade ela chorava, por alegria e tristeza ao mesmo tempo. Sentia-se leve, como uma pétala ao flutuar sob o aroma de uma rosa assoprada pelo vento frio daquela tarde, por um momento, talvez, sentia-se si mesma, focando mente, corpo, em um lugar só, em um corpo, um só componente. Não havia casa, janela, banquinho, academia ou qualquer coisa material. Havia o espírito, a música, a alma, a felicidade, a união. Fechava os olhos, ouvia, sintonizava a música. "Seria essa a quadragésima sinfonia de Mozart?" ela se perguntava o gosto não importava o artista, não importava. Não existiam. Em sua própria realidade que ela distorcera, ela encontrou seu verdadeiro eu, em sua dança, estendeu suas asas e por alguns instantes, se sentiu como um pássaro a voar mundo a fora, explorando seu subconsciente, sua alma, seu ego.
"Anna ? Já estou em casa !"
Levou um susto, quase caindo de seu banquinho. O que tinha acontecido? Onde estão minhas asas? Enxugou suas lágrimas com as mangas do seu casaco e logo reconheceu que as bailarinas já tinham saído de lá, faz tempo. Era plena madrugada de quarta-feira, e sua mãe chegara do trabalho. Ignorou toda experiência que havia explorado e correu aos braços da mãe, abraçando ela, em seu colo, como se nunca mais fosse soltar. As duas ficaram desse jeito, por um bom tempo, ela precisava depois de tudo aquilo, de um conforto, de um abraço apertado para esquentá-la naquele friozinho inexistente de uma madrugada sem fim.

Um comentário:

  1. Meu Deus, que texto MARAVILHOSO! Eu realmente perdi as palavras. Lindo, lindo, lindo.

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